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Editorial: Por que a Rede CEDROS é Importante

Dr. Marcos Kisil, Diretor de Programa e Coordenador para América-Latina e Caribe da Fundação W.K. Kellogg
Em anos recentes, particularmente durante a última década, os países da América Latina, incluindo o Brasil, tiveram e estão tendo modificações importantes em seus serviços de saúde. Estas modificações resultam, fundamentalmente, das pressões sociais demandando uma maior oferta qualitativa e quantitativa de serviços, sejam eles de caráter preventivo ou curativo. Como conseqüência, o governo de cada país passou a adotar novas políticas de saúde, que tentam responder a essas pressões sociais e passou a dedicar uma maior atenção ao setor, seja em seus aspectos estruturais, organizacionais, humanos e financeiros requeridos.

Hoje, em quase todos os países da América Latina, incluindo o Brasil, são encontradas políticas de saúde comprometidas de uma forma ou de outra, com a "extensão de cobertura" dos serviços de saúde para toda a população. Essas políticas se manifestam através da adoção de uma estratégia de atenção primária com a conseqüente organização dos serviços por níveis de atenção; uma maior descentralização do processo decisório (estadualização ou municipalização dos serviços); novos mecanismos de financiamento para o setor, com uma importante participação do Estado, seja através de impostos gerais, seja através de mecanismos de seguridade social; busca de uma formação de recursos humanos que reflita as necessidades dos serviços, através de uma maior articulação docente-assistencial; e uma maior preocupação com a participação do usuário, ou seja, da comunidade, nos processos decisórios que afetam os serviços a serem prestados.

Diante dessas decisões, que grande parte exigem a reorganização dos sistemas prestadores de atenção à saúde, fica patente a importância de uma rede voluntária de pessoas, grupos e organizações, que se dispõe a enfrentar os problemas, e compartilhar soluções a serem empregadas à saúde oral da população, como é o caso da Rede CEDROS.

A Rede CEDROS deve então ser entendida como um promissor novo paradigma para a organização social de um setor de conhecimento e prática, com sérias implicações para a administração do setor saúde.

A administração de Saúde deve ser tomada como a arte de aplicar conhecimentos e habilidades, oriundos de distintas ciências, em diferentes circunstâncias, que requerem decisões que afetam a administração e organização dos serviços de saúde.

Berger e Luckmann ao tratarem da sociologia do conhecimento, afirmam que a "realidade é construída socialmente e que a sociologia do conhecimento deve analisar o processo em que esse fato ocorre"(1). Os termos essenciais nestas afirmações são "realidade" e "conhecimento", termos não apenas correntes na linguagem diária, mas que têm atrás de si uma longa história de investigação filosófica. Para a nossa finalidade será suficiente definir "realidade" como uma qualidade pertencente a fenômenos que reconhecemos terem existência independente de nossa própria vontade (não podemos "desejar que não existam"), e definir "conhecimento" como a certeza de que os fenômenos são reais e possuem características específicas. A busca dessa certeza acerca dos fenômenos é o grande objeto das ciências. O interesse nas questões da "realidade" e do "conhecimento" justifica-se, assim, inicialmente pelo fato de sua relatividade social. O que é "real" para uma sociedade, pode não ser para outra. Assim, uma "sociologia do conhecimento" terá de tratar não somente da multiplicidade empírica do "conhecimento" nas sociedades, mas também dos processos pelos quais qualquer corpo de "conhecimento" chega a ser socialmente estabelecido como "realidade".

Em nosso caso particular, aceitamos que serviços de saúde oral, ou programas de educação para formar recursos humanos para esses serviços, são realidades sociais que pode e devem variar entre diferentes sociedades. Gerar conhecimentos sobre essas realidades deve ser a grande preocupação de uma comunidade científica.

Na América Latina, incluindo o Brasil, podemos afirmar que o campo da saúde oral teve sua institucionalização através dos profissionais formados em Faculdades de Odontologia e que a organização dos serviços de saúde oral foi feita com base na existência desse profissional, com grande ênfase para o trabalho curativo, e eventualmente, reabilitativo. Esse modelo de serviços levou a uma organização do setor através de instituições hierarquizadas bastante sólidas, como a própria faculdade de odontologia, as organizações classistas corporativas (conselhos, sindicatos, associações profissionais), os serviços públicos dos Ministério da Saúde e Previdência Social. O pouco sucesso dessa estratégia para a maioria da população sem acesso aos profissionais, levou nas últimas duas décadas a uma maior preocupação com os métodos massivos de prevenção e uma maior atenção à educação de pessoal auxiliar e das próprias pessoas para se auto-cuidarem.

Assim, nesse momento em que se faz necessário uma mova organização para o setor de saúde bucal, a forma de organização da Rede CEDROS adquire um caráter paradigmático. Como rede, é uma estrutura voluntária e horizontal, ou seja, só estão nela aqueles participantes que querem e têm vontade de participar, em igualdade de condições, com outros membros. É uma estrutura complementar à estrutura das organizações existentes, portanto pode facilitar esforços colaborativos interinstitucionais. É ágil, pois é, antes de mais nada, um sistema de comunicação eficiente, ligando os interessados em diferentes temas, através de sub-redes que alcançam maior eficiência. Essa estrutura horizontal, que adquire dimensões nacionais, pode verticalizar-se em estruturais regionais, ou de caráter global. A relação da Rede CEDROS com os pólos de desenvolvimento da odontologia da OFEDO/UDUAL representa excelente exemplo do potencial de uma rede regional. As promissoras relações com OMS, IADR e University of Lund para a criação de um Fórum Eletrônico permanente em Saúde Bucal, é um grande exemplo de como se pode criar uma rede global.

De acordo com a proposta de trabalho da Rede CEDROS, nos próximos anos se espera que ela possa contribuir para:

· Apresentar inovações no ensino da saúde oral, e particularmente da odontologia, seja nos planos de ensino oferecidos, seja no desenho curricular, seja nos métodos de ensino, seja no desenvolvimento de material de ensino;

· Pesquisar, de maneira sistemática, as necessidades gerenciais do setor saúde oral e traduzí-las para os planos de trabalho de diferentes organizações envolvidas;

· Ser uma fonte permanente de apoio técnico para o desenvolvimento da saúde oral e de seus serviços;

· Ser uma fonte de apoio técnico e de treinamento de docentes para o desenvolvimento de programas inovadores na educação em odontologia, auxiliares e a população em geral;

· Sendo produto de um arranjo organizacional que represente um consórcio de pessoas, grupos e instituições acadêmicas e de serviços interessadas no desenvolvimento acadêmico e profissional do setor, deve ser um fórum permanente para um diálogo construtivo para o melhoramento da saúde oral.

(1) Bibliografia: BERGER, Peter I. e LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da Realidade.

Ed. Vozes Ltda., Petrópolis, 1973.

Endereço para correspondência:

Fundação W. K. Kellogg

R. Calçada dos Cravos, 108 Ctr. Com. Alphaville 06453-000 Barueri - SP


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